A Taxa Selic é bastante famosa e difundida pela mídia, mas poucas pessoas conhecem seu verdadeiro funcionamento e influência em nossas vidas. Abaixo, explicaremos desde o início como tudo funciona.
Dívida pública: O início de tudo
Tudo começa no fato de que o governo possui sérias dificuldades para financiar sua dívida, pois é sabido que o mesmo gasta muito mais do que consegue arrecadar.
Para conseguir financiá-la, ele precisa arrecadar mais dinheiro no mercado, visto que com apenas a arrecadação de impostos não consegue manter as contas equilibradas. O responsável por conseguir esse financiamento é o Tesouro Nacional.
Por meio de leilões, o Tesouro Nacional emite títulos públicos, que nada mais são que uma forma de endividamento para conseguir mais dinheiro para seu próprio financiamento. Ao emitir esses títulos, o Tesouro se compromete a recomprá-los num prazo futuro com vencimento pré-determinado, pagando determinada taxa de juros, que pode ser pré ou pós-fixada.
Essa primeira colocação de títulos públicos em circulação é feita pelo que é chamado de leilão no mercado primário. Os compradores desses títulos são os bancos.
Mas nem todo banco está habilitado a comprá-los diretamente do Tesouro Nacional. Apenas alguns possuem esse direito. Esses bancos são chamados de
dealers. Para saber quais são os atuais
dealers autorizados a operar no mercado primário basta consultar
este link no site do Tesouro Nacional.
As instituições que adquiriram esses títulos no mercado primário podem renegociá-los no mercado secundário por meio do
open market, ou simplesmente mercado aberto.
A Taxa Selic propriamente dita
Selic significa Sistema Especial de Liquidação e Custódia, e é o sistema responsável pela negociação dos títulos públicos. Dentro dele são feitas todas as operações de liquidação financeira e também de custódia dos títulos, tudo de forma eletrônica. Apenas por curiosidade, o Selic foi criado pelo Banco Central e pela ex-Andima, atual ANBIMA (Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais) em 1979.
Os bancos e instituições financeiras utilizam o Selic para efetuar suas transações lastreadas apenas em títulos públicos e com prazo de um dia útil. Pela natureza da operação com prazo de apenas um dia, acaba-se por criar uma taxa diária conhecida como
overnight, ou Taxa
Over Selic.
A Taxa Selic nada mais é do que a média ponderada de todas essas negociações no Selic. Por ser uma taxa muito pequena, afinal, representa apenas as negociações de um dia útil, convencionou-se divulgá-la de forma anualizada, com base em 252 dias úteis no ano.
Por exemplo, uma taxa diária de 0,042849% representa uma taxa anualizada de 11,40%. Para fazer esse cálculo basta dividir a taxa por 100, somar 1 e elevá-la a 252. No Excel, algo como: =(((1+(0,042849/100))^252)-1)*100
Por que ela é considerada a taxa básica de juros da economia?
Como os títulos públicos negociados no Selic são muito líquidos e de baixíssimo risco, afinal, o risco que representam é o de o país "quebrar", essa taxa de juros é considerada como sendo uma taxa livre de risco.
Por esse motivo, ela serve de parâmetro para todas as outras taxas de juros da economia, pois representa um referencial mínimo para a formação de juros no mercado.
Se a Taxa Selic possui, em teoria, o menor risco dentro da economia, por que alguém emprestaria dinheiro à juros menores correndo riscos maiores? Não faz sentido.
Por representar o custo do dinheiro para os empréstimos entre bancos, as instituições financeiras se baseiam nela para determinar os níveis de juros cobrados dos tomadores de empréstimo. Isso acontece, pois todos os outros empréstimos feitos no mercado oferecerão maiores riscos do que os empréstimos feitos entre os bancos e garantidos por títulos do próprio governo.
Como a Taxa Selic é controlada no mercado? O que são depósitos compulsórios?
Antes de explicar quem é o responsável pelo controle e manutenção da Taxa Selic no mercado, é preciso explicar brevemente o que são os depósitos compulsórios.
Eles são depósitos que os bancos são obrigados a manter junto ao Banco Central. Por meio desses depósitos, o BC consegue controlar a quantidade de dinheiro que circula na economia. Se o BC aumenta o percentual obrigatório de depósitos compulsórios, os bancos são obrigados a aumentar seus depósitos junto a ele e retirar dinheiro de circulação.
Ao final de cada dia de operações os bancos são obrigados a equilibrar suas contas e reservas junto ao Banco Central, de acordo com as regras vigentes dos compulsórios. Mas é muito comum que ao final do dia alguns bancos estejam com falta de dinheiro para equilibrar suas reservas, e outros com dinheiro sobrando. Um dos possíveis motivos para isso acontecer é na ocasião do banco ter sofrido mais saques de seus clientes do que depósitos, e isso é bastante comum. Nesse caso, para ele reequilibrar suas reservas, precisará conseguir mais dinheiro.
Uma das alternativas possíveis é por meio do mercado interfinanceiro, que é aquele onde as instituições financeiras tomam e emprestam dinheiro entre si por meio do
open market. Quando essas transações interbancárias são feitas no Selic, ou seja, apenas com títulos públicos e pela prazo de um dia útil, basta extrair a média ponderada pelo volume das taxas dessas transações para obter a Taxa Selic do dia (over).
Vale ressaltar que no mercado interfinanceiro também existem outros tipos de negociações que não aquelas lastreadas apenas em títulos públicos. É o que acontece com os
CDIs, que são títulos privados. Mas, nesse caso, as operações são feitas em outro sistema, diferente do Selic.
Nesse mercado, tanto os bancos quanto o governo, por meio do Banco Central, participam das transações. Abaixo veremos como o BC, que é um importante
player do interfinanceiro, atua na prática para conseguir controlar a Taxa Selic.
O dia-a-dia da Taxa Selic na prática. O Copom, o BC, o Open Market e a influência em nossas vidas
Os compulsórios são uma importante ferramenta de política monetária, porém não afetam a liquidez de forma imediata. Quando o BC altera as regras desses depósitos, os bancos dispõem de um prazo para se adequar ao novo cenário. Além disso, ao equilibrar suas reservas diariamente, as instituições financeiras apenas ajustam a quantidade de dinheiro em circulação, mas não efetivamente as taxas de juros.
Nesse ponto, entra em cena o papel do Banco Central no dia-a-dia da economia, pois é ele o responsável por comprar e vender títulos no
open market, de forma a controlar e ajustar a Taxa Selic Diária dos títulos públicos negociados no Selic.
A definição da Taxa Selic Meta se dá por meio das reuniões do Copom (Comitê de Política Monetária), que reúne seu colegiado para decidir a taxa pelo período vigente até sua próxima reunião. Dentre as diversas variáveis analisadas pelo Copom, uma das principais é a inflação, visto que a Taxa Selic é uma importante ferramenta de controle do nível de aquecimento da economia. A taxa possui esse nome, pois o Copom apenas decide qual deverá ser a meta para a Taxa Selic. Ele não altera a taxa efetivamente, afinal, essa é uma taxa que varia todos os dias. É por isso que a Taxa Selic Meta pode variar da Taxa Selic do dia. No momento em que este artigo é escrito, a Taxa Selic Meta estabelecida pelo Copom é de 11,50% e a Taxa Selic Diária é de 11,40%. Portanto, muito próxima da meta.
Após a definição da Taxa Selic Meta, o Banco Central, que é o responsável pela execução da política monetária, vai ao mercado aberto e inicia o processo de efetivamente comprar e vender títulos para trazer a Taxa Selic para próximo da meta estabelecida pelo Copom.
Para aumentar a Selic, o Banco Central vende títulos, numa operação também chamada de contração da base monetária. Imagine um título público pré-fixado, uma LTN por exemplo, que possui valor de face fixo em R$1.000 no vencimento. Faltando um ano para seu vencimento, suponha que ele seja negociado a R$899. A taxa de juros desse título é tida por ((1000/899)-1)*100, ou seja, esse título paga cerca de 11,23%.
Com a venda de títulos pelo BC, haverá maior oferta no mercado, e isso fará com que seus preços diminuam. O que o BC tem de controlar é o novo preço dos títulos. Imagine que aquele mesmo título que antes custava R$899, agora, com a maior oferta no mercado, passasse a custar R$893. A nova taxa de juros seria de ((1000/893)-1)*100, ou seja, cerca de 11,98%. Um aumento de aproximadamente 0,75 pontos percentuais.
Ao vender esses títulos, aquele dinheiro que os bancos mantinham em depósitos compulsórios servirá como pagamento pela compra dos mesmos. Assim, existirá um débito no saldo que eles mantém junto ao BC. Para ir reequilibrando novamente o saldo dos compulsórios, os bancos terão de recorrer ao mercado interfinanceiro. Mas agora, os mesmos títulos públicos que serviriam de garantia nessas transações possuirão uma taxa maior devido às vendas feitas pelo BC. Isso faria com que a Taxa Selic Diária (over) também aumentasse. Lembre-se que a Taxa Selic é a média ponderada das taxas negociadas diariamente no Selic com títulos públicos. Como a Taxa Selic diária (over) possui valores muito próximos da taxa Selic Meta, logo conclui-se que a Taxa Selic aumentou. Portanto, novamente, percebe-se como o Banco Central consegue controlá-la utilizando seus diversos recursos de política monetária.
O raciocínio inverso deve ser aplicado para o cenário de queda na Taxa Selic. Nesse caso, o Banco Central compra títulos dos bancos no mercado aberto e expande a base monetária. A compra de títulos pelo BC aumentará o valor dos mesmos no mercado. Se um título pré-fixado, idêntico ao do exemplo anterior, fosse agora vendido por R$900, pagaria uma taxa de 11,11%. O cálculo seria ((1000/900/)-1)*100. Com a redução da oferta de títulos devido às compras do BC, imagine que agora ele custasse R$905. A nova taxa de juros seria de 10,50%. O novo cálculo seria ((1000/905)-1)*100. Portanto, uma redução de aproximadamente 0,60 pontos percentuais.
Para pagar por esses títulos, o BC creditaria mais dinheiro no montante total de depósitos compulsórios dos bancos. Com reservas em excesso junto ao BC, inicialmente os bancos não precisariam se preocupar em recompô-las rapidamente, e teriam maior disponibilidade para empréstimos, tanto no interfinanceiro quanto para seus clientes. Este seria o primeiro fator que contribuiria para a queda nas taxas de juros, afinal, a oferta de dinheiro nesse momento seria maior que a demanda. Mas, conforme forem tendo a necessidade de ajustar seus saldos de depósitos compulsórios novamente, seriam esses mesmos títulos, agora com taxas mais baixas, que serviriam de garantida para as transações no mercado interfinanceiro, também fazendo com que a Taxa Selic diminuísse. Este seria o fator principal e mais duradouro para a continuação e manutenção da menor Taxa Selic.
A influência em nossas vidas é simples. Quando os bancos tomam dinheiro emprestado lastreado em títulos públicos com taxas mais altas para recompor suas reservas, faz sentido que também cobrem de seus correntistas juros maiores. Por outro lado, quando os bancos tomam títulos a juros menores, faz sentido que ofereçam empréstimos a juros menores para seus correntistas.
Por fim, podemos concluir que o funcionamento do sistema não é complicado, mas sua explicação é extensa e bastante detalhada. Ao elevar a Taxa Selic, o Banco Central procura desaquecer a economia. Ao baixá-la, procura aquecer, mas sempre de olho nos reflexos na inflação. Tudo está interligado e funcionando em conjunto numa engrenagem econômica em sincronia. Por isso, para um melhor desempenho de suas aplicações, fique atento aos movimentos da Taxa Selic e bons investimentos!
*Utilizamos exemplos com títulos pré-fixados para facilitar a explicação, mas o BC atua no controle das taxas comprando e vendendo diversos tipos de títulos públicos.